Wes Anderson usa prosa de Roald Dahl para explorar seu estilo em curtas para Netflix
Curtas-metragens a partir de contos do renomado autor foram disponibilizados na plataforma de streaming da Netflix; coluna Grandes Diretores celebra Martin Scorsese
💡 Olá
A edição dessa semana ficou um pouco mais longa - tivemos até que retirar a resenha de um filme e deixar para a próxima semana. Isso porque falamos sobre os novos curtas-metragens dirigidos por Wes Anderson, baseados em contos escritos por Roald Dahl, e que foram disponibilizados na Netflix Brasil.
Além disso, tem um artigo sobre Martin Scorsese na esteira do lançamento de Assassinos da Lua das Flores, seu novo filme que estreia no dia 20 de outubro nos cinemas brasileiros antes de chegar à plataforma de streaming da Apple TV+.
Nas recomendações de leitura, deixamos o link para um roteiro ainda inacabado que Scorsese escreveu com o objetivo de fazer um novo filme abordando Jesus e os mistérios relacionados a fé - segundo ele, agora de uma forma ainda mais direta do que ele desenvolveu em trabalhos anteriores.
Espero que gostem dos textos. Boa leitura e boa semana!
Cinema
Wes Anderson usa prosa de Roald Dahl para explorar ainda mais seu estilo
A Netflix lançou em sua plataforma, de quarta a sexta-feira, quatro curtas-metragens dirigidos por Wes Anderson adaptados de alguns dos principais contos do autor infanto-juvenil Roald Dahl, cuja obra esteve envolvida em uma polêmica nesse ano quando a editora e a família responsável pelo espólio do escritor resolveram reescrever algumas expressões de seus livros. Nada mais de termos como “gordo” ou “preto”, para citar alguns.
Deixando isso de lado, pois é uma discussão para outro texto (de antemão, digo que sou contra esse tipo de revisão), Wes Anderson encontra na prosa de Roald Dahl mais uma maneira de continuar expandindo (ou experimentando) seu estilo de contar histórias.
Os curtas-metragens A Incrível História de Henry Sugar, O Caçador de Ratos, O Cisne e Veneno são todos adaptados de contos escritos por Dahl. Porém, esse texto se concentra em A Incrível História de Henry Sugar, o mais longo dentre eles (34 minutos), exibido no Festival de Veneza - o que indica que a Netflix cogita uma campanha para o Oscar - e que serve de elo para os demais.
Centrado em Henry Sugar (Benedict Cumberbatch), a história acompanha o seu protagonista quando ele descobre um relatório médico sobre um homem indiano que é capaz de ver mesmo com os olhos fechados. Essa técnica lhe dá uma grande ideia: criar um truque para também enxergar quais cartas e naipes estão nas mãos de outros jogadores e, assim, ganhar muito dinheiro em apostas.
Essa história, em particular, reflete um otimismo em seu final que não aparecem nos outros curtas-metragens. Isso porque Anderson coloca o trapaceiro como filantrópico, capaz de fazer fortuna e investir na criação de hospitais e orfanatos ao redor do mundo.
Mas não é a trama que acaba se destacando. Mais uma vez, ela apenas se torna um meio para Anderson explorar a sua maneira de filmar. Simetria, tons pasteis, a meticulosa precisão na mise-en-scène, os movimentos lineares e todos os outros elementos que comentei nesta edição se fazem presentes.
Só que o diretor vai além: em todos os curtas, Anderson incorpora a prosa escrita de Dahl na narração dos personagens. Assim, o grande aspecto teatral tão marcante em seus longas aqui ganham vida porque a história se passa em um grande palco. E isso enriquece as adaptações.
Um momento que ilustra isso muito bem é quando uma equipe de maquiagem entra em cena e troca a peruca de um dos personagens em Henry Sugar, ou mesmo em Veneno quando um ajudante de palco borrifa suor na careca de Ben Kingsley para mostrar o quanto a situação exigiu esforço e preocupação.
Momentos que realmente quebram a artificialidade e precisão do texto ser narrado de uma forma tão robótica que, às vezes, cansa. Até mesmo a estética de Anderson, de tão repetida em seus filmes, torna-se cansativa.
Isso não desmerece o fato de todos os curtas serem, logicamente, tão bem executados e totalmente fiéis aos contos. A linguagem de Dahl brilha tanto quando a forma de Wes Anderson.
É como se literatura e cinema se fundissem de maneira perfeita, mas perdendo um elemento essencial em ambos: a emoção.
Grandes Diretores
Martin Scorsese em sua busca pela fé e histórias para contar
O mês de outubro chegou e, com ele, cresce a expectativa pela estreia de Assassinos da Lua das Flores, o mais novo filme dirigido pelo mestre Martin Scorsese. Apresentado em Cannes em maio, e produzido pela Apple, o longa-metragem chega aos cinemas brasileiros no dia 20 de outubro (ainda não estão confirmadas sessões em IMAX no país) e depois chega à plataforma de streaming da Maçã (data a ser definida).
Em razão disso, foi uma semana na qual mergulhamos no filme e em Martin Scorsese. Aos 80 anos, ele passou o último mês promovendo o novo trabalho e grande parte da mídia divulgou essas aparições (em entrevistas, revisitando a carreira, etc). A première, inclusive, aconteceu em Nova York na quinta-feira (28/09) para convidados.
Para começar, uma das razões que atraíram Scorsese ao projeto foi a justaposição dos termos "flower moon" e "killers" na mesma frase. A história chegou até ele imediatamente após o término das filmagens de Silêncio, filme lançado em 2016 que acompanha dois missionários jesuítas portugueses enfrentando uma crise de fé enquanto tentam levar o evangelho ao Japão medieval do século XVII.
O diretor conta isso durante sua entrevista à revista TIME e também no vídeo divulgado pela GQ que revisita seus principais filmes, ambas divulgadas há algumas semanas. Ao se aprofundar na história por meio do livro homônimo, escrito por David Grann, o diretor relembra que ele sentiu que precisava contar essa história.
A abordagem, no entanto, não foi a mesma adotada por Grann no livro, que segue o detetive Tom White e sua investigação para entender o porquê de tantas mortes na terra indígena Osage. Essa acabou se tornando a primeira grande investigação do recém criado FBI, então comandado por um ainda jovem J.Edgar Hoover (que já teve cinebiografia dirigida por Clint Eastwood e estrelada por Leonardo DiCaprio).
DiCaprio e Scorsese, em sua oitava colaboração juntos, não estavam confortáveis com a ideia de o filme ser mais uma vez centralizado na figura do homem branco que chega para salvar o dia. Por isso, ambos tiveram que mudar de rota e recomeçaram a história, agora mais focada no romance entre Ernest Burkhart (interpretado por DiCaprio) e Mollie Burkhart (Lily Gladstone, sendo uma das mais cotadas no momento para o Oscar de Melhor Atriz por sua atuação no filme).
Para Scorsese, tudo remonta aos personagens
Estamos tentando nos controlar para não tornar esse texto muito longo, porque já discutimos bastante certos aspectos da filmografia de Scorsese em um especial quando o diretor completou 75 anos (no antigo Sob a Minha Lente). Mas é importante mencionar que uma das principais características em toda a sua filmografia é que as histórias sempre remontam aos personagens e giram ao redor deles.
Por isso, não chega a ser surpreendente que o diretor tenha decidido uma abordagem diferente ao livro. Caminhos Perigosos (1973), seu primeiro longa-metragem, já continha esse mesmo conceito. E ele ganhou ainda mais força em Taxi Driver (1976) e seu estudo de personagem de Travis Brickle (Robert De Niro).
Desde então, as histórias contadas nos filmes de Scorsese abraçam seus personagens, mesmo quando eles não possuem qualquer moral. Ainda assim, o diretor encontra formas de discutir questões relacionadas à moralidade, fé e como isso se conecta à real natureza humana.
Espiritualidade e Arte caminham juntos
Isso nos provoca a discutir também sobre espiritualidade e arte, dois dos mais importantes e essenciais conceitos presentes na filmografia do diretor. Em uma visita há pouco mais de três meses ao Papa Francisco, Martin Scorsese participou de uma sessão Q&A a qual foi transmitida pelo Vaticano.
No vídeo (assista aqui), como em poucas vezes eu já vi Scorsese falando sobre o tema, ele é bem sincero sobre ambos os elementos e explica como os seus filmes, mesmo às vezes com tanta violência, é uma representação da sua busca para compreender o instinto humano e como isso molda a sociedade ocidental.
Em uma das respostas, ele diz quanto se guiou pelo conceito de Jesus (e o mistério em torno dessa ideia) para a realização dos filmes. As diversas tentativas estão manifestadas em obras diretas como A Última Tentação de Cristo, Kundun e Silêncio, ou mesmo as indiretas que aparecem basicamente em toda a sua filmografia, de Caminhos Perigosos, passando por Depois de Horas, Gangue de Nova Iorque até seus mais recentes trabalhos.
A busca, portanto, de como Jesus se expressa no mundo ao redor é uma força guiadora que o leva a contar histórias. E sim, Scorsese ainda tem algumas para contar ao mesmo templo que ele sabe que o fim está mais próximo, digamos assim.
O que vem pela frente
O diretor tem planos para filmar uma nova história sobre Jesus, inspirado pelo prefácio que o Papa Francisco escreveu para o livro do Padre Antonio Spadrado intitulado “Uma Trama Divina”.
Além deste, Scorsese planeja adaptar para o cinema o livro “Em Casa”, escrito por Marilynne Robinson, trama que acompanha dois irmãos que retornam à cidade natal, com objetivos diferentes, e redescobrem esse lar que sempre buscaram.
Enquanto esses projetos são ainda rascunhados e sequer ganharam forma, ficamos cá com a nossa ansiedade pelo dia 20 de outubro.
📦 Recomendações da Semana
Falamos sobre Scorsese e a possibilidade de um novo filme sobre Jesus, com abordagem mais direta a esse conceito. O roteiro escrito pelo diretor, ou pelo menos a ideia do que ele tem para a história, foi publicado no site La Civiltà Cattolica. Se aproxima mais de um documentário, com imagens, com uma narração que articula sobre o conceito que somos ensinados a ter de Jesus. Pode se transformar em algo similar ao que o cineasta fez em Uma Viagem Pessoal pelo Cinema Americano (1995), documentário de quase 4h que ele revisita seus filmes favoritos dos anos 50 e 60. Ao mesmo tempo, não dá para tirar tantas conclusões por se tratar ainda de uma ideia que passará por algum refino. Vale a pena conhecer, no entanto.
Se você chegou até aqui, muito obrigado pela leitura! Até semana que vem!