A estética de Wes Anderson e uma surpreendente série na Apple TV+
Falamos sobre os elementos que caracterizam a filmografia de Wes Anderson e maratonamos uma série da Apple TV+
💡 Olá
Em pouco mais de uma semana os cinemas brasileiros recebem Asteroid City, novo filme de Wes Anderson e que foi exibido em Cannes nesse ano. A estreia é tardia, uma vez que o filme já chegou até ao streaming nos EUA, mas é o que tem para hoje.
E, por isso, discutimos alguns dos elementos principais e recorrentes dos seus filmes. Aproveitamos também para maratonar Gotas Divinas, série da Apple TV+ e que nos surpreendeu bastante.
Mas falando em diretores importantes, perdemos na segunda-feira (7) William Friedkin, responsável por O Exorcista, Operação França, Viver e Morrer em Los Angeles, dentre outros. Ele tinha 87 anos e deixou um último filme, que já tinha sido selecionado para exibição no Festival de Veneza, no fim do mês.
Quem também faleceu no mesmo dia foi a atriz Aracy Balabanian, a Cassandra em Sai de Baixo. Ela também interpretou Maricota em Policarpo Quaresma, Herói do Brasil.
Boa leitura!
Cinema
A estética de Wes Anderson
Wes Anderson é um daqueles diretores que somos capazes de reconhecer qualquer um dos seus filmes assistindo por apenas alguns minutos. É como estar mudando os canais na televisão e desse de cara com um filme passando. Não demoraria muito para você saber que se trata de uma história sua.
Ele se transformou em um dos cineastas mais influentes da sua geração, tendo inspirado muitas outras produções em diferentes mídias que vão além do cinema. Na próxima semana, chega aos cinemas brasileiros (com enorme atraso) o seu mais recente trabalho Asteroid City, que foi exibido em Cannes nesse ano.
Mas o que torna seus filmes tão característicos? Para começar, a estética das obras de Wes Anderson baseiam-se em simetria na composição de cenas, equilibradas com planos panorâmicos ou aproximações instantâneas e bruscas.
E o resultado dessa técnica enaltece a narrativa, proporciona harmonia e é agradável aos olhos. Mas, além disso, fornece um ponto focal preciso. Isso dá a sensação de que cada cena é (como se fosse) o cenário de um grande palco de teatro.
Isso permite que outra característica se destaque: as cores. A paleta de cor une cada quadro naturalmente e define o tom da história. Wes Anderson vem refinando isso desde o seu primeiro filme Bottle Rocket (1996), sendo importante notar como esses elementos estão à serviço da narrativa e não apenas colocados por capricho do diretor.
Há, portanto, uma paleta de cores bem determinada em cada filme: Moonrise Kingdom (2012) combina cores quentes transitando entre o amarelo suave, que indica segurança e o amor entre Sam e Suzy — ao mesmo tempo que dá também um tom nostálgico à narrativa; já se observarmos The Life Aquatic with Steve Zissou (2004), o vermelho se destaca ao direcionar nossa atenção à tripulação (e algo similar acontece em The Grand Budapeste Hotel (2014).
Nesse filme de 2014, aliás, impressiona como o nível visual de Anderson atinge o ápice, com a paleta de cores transitando para indicar a passagem de tempo e o declínio do hotel. No início vemos tons fortes de vermelho, nos ambientes, e o roxo dos figurinos que mostram todo o esplendor do Grand Budapeste. Mais tarde no filme, as cores vão sendo dessaturadas para não terem brilho.
Existem outros dois elementos visuais que se conectam à paleta de cores e a simetria, que são as tomadas longas, o que confere senso de continuidade, e também sequências em câmera lenta com o objetivo de enfatizar a cena e o movimento dos personagens.
Por último, seria impossível não citar os temas recorrentes nos filmes do diretor. Usualmente, Anderson retrata personagens desajustados e que tentam encontrar o seu lugar. Há um arco dramático de amadurecimento, como em Rushmore (1998) e estágios diferentes da vida e seus conflitos nos ótimos Moonrise Kingdom e Fantastic Mr. Fox (2009) - e também no recente The French Dispatch (2021).
Ao retratar histórias tão universais que tornam-se palpáveis para nos relacionarmos enquanto audiência, a estética super autoral do cineasta nunca atrapalha, ou sequer passa a ideia de absurda. Enquanto talvez essa estética enalteça como Anderson se renuncia ao realismo para ambientar suas histórias, os temas nos trazem exatamente para a realidade.
E é por isso que o diretor conseguiu criar e estabelecer um estilo tão próprio.
Séries
Gotas Divinas retrata o sofisticado mundo dos vinhos e é um achado no catálogo da Apple TV+
Ao mesmo tempo que temos visto uma proliferação de produções sobre produtos e empresas (Air, Barbie, We Crashed, The Dropout), tanto em séries quanto em filmes, dá para observar também uma curiosidade em retratar o cenário da alta gastronomia (The Bear, The Menu, Fome de Sucesso). Agora podemos adicionar uma que retrata o mundo misterioso e sofisticado dos vinhos, o qual é o interesse da minissérie Gotas Divinas.
Apesar de ser o elemento que conecta a narrativa, baseada em mangá Kami no Shizuku e disponível no streaming da Apple TV+, o vinho e a maneira como a série consegue ser muitas vezes também educativa não é o que a torna um ótimo achado no catálogo da Maçã: mas sim as relações familiares e a humanidade que Gotas Divinas consegue imprimir à trama.
A história acompanha Camille Léger, que é chamada às pressas para o Japão uma vez que o seu pai, Alexandre Léger — uma figura importante na enologia — morreu. Anos sem vê-lo, após a separação dos pais quando ela ainda era criança, Camille é surpreendida na leitura do testamento que precisa participar de um teste para herdar todo o patrimônio do pai.
A competição envolve Issei Tomini, o qual seu pai adotou como pupilo reconhecendo nele a mesma habilidade de identificar sabores que o próprio Léger treinou a filha para alcançar.
Nessa trama, Gotas Divinas assume uma construção importante ao emoldurar os dois personagens em conflitos que eles precisam superar. Enquanto Camille refuta a ideia de voltar à órbita do pai, o grande sonho de Issei Tomini se encontra no mundo dos vinhos. A sua família é contra, pois o pressiona para assumir o império de pedras preciosas da sua mãe e avô.
Nesse sentido, a série toma decisões visuais bem interessantes no percurso de desvendar os mistérios por trás dos testes que Alexandre Léger deixa pelo caminho. A principal é em relação ao design de produção, bem original e que coloca o espectador na mente de Camille enquanto ela escava em suas pesquisas internas para encontrar os sabores e desvendar os cheiros.
Por outro lado, a narrativa de Gotas Divinas comete um deslize ao transformar a mãe de Camille em uma espécie de antagonista ao pai, como se a culpasse pelo afastamento da filha. Apesar de ter dado foco nisso nos primeiros episódios, Gotas Divinas prefere esquecer essa trama e não a resolve.
Porém, isso não nos impede de continuar na série porque o mundo que ela retrata é muito fascinante. Gotas Divinas retrata dois personagens meio perdidos no mundo, mas que encontram no teste (ou seria no vinho?) uma direção.
Pode não ser demais, afinal, dizer que Gotas Divinas é sobre como o vinho une culturas e pessoas. O que eu sei é que, após cada episódio, dá uma vontade grande de degustar alguns daqueles rótulos.
📦 Recomendações da Semana
Uma reportagem da Folha de S.Paulo na última semana me chamou muita atenção ao mostrar que o cinema nacional vende 1% dos ingressos vendidos e os horários não têm passado das 16h na programação dos complexos de cinema do Brasil. Com a cota de tela suspensa (tem uma nova lei em tramitação para substituí-la, mas ainda não foi votada), as produções nacionais estão mesmo sem destaque. E o pior: colocam mais horários durante a semana, quando os ingressos são mais baratos, em detrimento de sessões nos fins de semana. E isso impacta diretamente a arrecadação. Aqui um efeito cascata acontece, que culmina no baixo investimento nas produções que fazemos aqui. Distribuidores, portanto, tendem a não apostarem tanto em novos (e arriscados) lançamentos, fazendo com que desde o fim da pandemia nenhum filme brasileiro atingiu a marca de 1 milhão de espectadores.
Se você chegou até aqui, muito obrigado pela leitura! Até semana que vem!