The Curse, série com Emma Stone, é uma sátira bem apropriada para os tempos atuais
Série levanta questões que envolvem gentrificação, minimalismo e a filantropia dos grandes ricos - e suas segundas intenções.
💡 Olá
Foi uma semana cheia de trabalho e muitas estreias. Algumas consegui trazer para a edição dessa semana, mas outras ficarão para a seguinte - casos estes de O Assassino, novo filme de David Fincher, e também dos longas-metragens Nyad (Netflix) e Na Ponta dos Dedos (Apple TV+), ambos com exibições recentes em festivais e que captaram alguma atenção.
Por aqui, o destaque ficou para The Curse, nova série na Paramount+ com Emma Stone, e o documentário O Túnel dos Pombos, sobre a carreira de John le Carré e que foi apresentado na Mostra SP desse ano pelo diretor e documentarista Errol Morris.
Boa leitura!
Séries
The Curse é uma sátira bem apropriada para os tempos atuais
A nova série The Curse, produção do estúdio A24 para a Showtime (aqui no Brasil exibida pelo Paramount+), teve o primeiro episódio liberado na última semana. É bem esquisita e desconfortável, mas talvez o que ressoa de fato no primeiro episódio é quando Whitney (Emma Stone) questiona o fato das pessoas acharem que seus atos não têm consequências. Lógico que tem (ou deveriam ter). E é exatamente o que The Curse tenta provar.
A trama de The Curse, criada por Nathan Fielder (The Rehearsal) e Benny Safdie (Jóias Brutas), acompanha o casal Ash (o próprio Fielder) e Whitney Siegel (Stone) que estão estrelando e produzindo um reality show sobre suas vidas e cotidiano, com direção do manipulador Dougie Schecter (Benny Safdie), no qual eles realizam boas ações e se colocam como filantrópicos para que essa publicidade impulsione seus negócio de casas ecológicas que eles querem emplacar na pequena comunidade conhecida como Española, no Novo Mexico.
Satírica e engraçada, The Curse tem uma abordagem até inventiva ao contar essa história que acontece no jogo de câmera: enquanto assistimos o reality show sendo produzido em tempo real, vemos os personagens cercados pelos residentes locais e interpretando personagens, isto é, posando de bonzinhos com segundas intenções; por outro lado, quando os vemos na sua intimidade, a câmera adota um afastamento, como se os enxergasse por meio de espelhos refletindo a verdade e conturbada vida que eles levam.
Ao mesmo tempo, The Curse funciona também como uma crítica social às produções desse gênero e levanta questões sobre gentrificação e até minimalismo, buzzwords que se tornaram queridinhas dos ricos que desejam impor o estilo de vida deles.
É nesse contexto, aliás, que The Curse apresenta cenas desconfortáveis como na sequência inicial da filmagem do início do reality show que apresentam as boas ações de Ash e Whitney e o diretor, na tentativa de captar emoção, molha o rosto e os olhos de uma senhora (com câncer) que dava entrevista com o único objetivo de manipular um choro que sequer ela tinha sentido.
São exemplos daquelas manobras que acontecem nos bastidores de qualquer programa e que nunca ficamos sabendo, pois assistimos apenas o produto final cujo principal objetivo é captar a nossa atenção e, claro, nosso sentimento de empatia.
Mas a ambição traz consequências. Mérito de The Curse ao conseguir ambientar bem a trama, os personagens e estabelecer uma estética provocativa que nos faz questionar até onde eles estarão dispostos a ir para alcançarem o almejado sucesso.
Cinema
John le Carré abre o jogo sobre a sua obra como nunca se viu em O Túnel de Pombos
Para John le Carré, um dos autores mais famosos de espionagem, é praticamente impossível conhecer profundamente uma pessoa durante uma entrevista - ou um interrogatório. Não sei se é verdade. Vindo de um ex-espião, no entanto, confio no que ele disse. Mas em O Túnel de Pombos dá para dizer que se chega bem perto disso.
Disponível na Apple TV+, o documentário dirigido por Errol Morris (um exímio entrevistador e homenageado na edição de 2023 da Mostra de Cinema de SP) celebra a carreira de John le Carré como uma espécie de “canto do cisne”, uma vez que o escritor viria a morrer um ano depois depois das filmagens, no final de 2020 aos 89 anos.
O formato de O Túnel de Pombos é algo que Errol Morris desenvolveu ao longo de vários trabalhos como diretor, fazendo longas entrevistas no qual um único personagem é o tema central da sua narrativa.
Muito por causa do seu talento como entrevistador e de saber fazer mesmo as perguntas que parecem difíceis, a narrativa dos seus filmes (e que se repete nesta recente obra) nunca cansa.
Até pelo fato dos entrevistados estarem diante de Errol Morris deve deixá-los mais confortáveis para falarem o que estão sentindo. Algo que fica bastante claro com John le Carré, no qual ele passa pela infância difícil, o relacionamento conturbado com o pai, a ausência da mãe e como escrever é o mais próximo que ele conseguiu chegar de se sentir feliz.
Tudo isso moldou sua escolha de ser um espião, quando trabalhou no MI5 e em posições na Alemanha durante a Guerra Fria, e também de ser um romancista cujas histórias de espiões como George Smiley inundaram livrarias no mundo e ganharam diversas versões no cinema e na televisão.
Ao final, o que me parece primordial que Errol Morris arranca da personalidade retraída e sedutora de John le Carré com suas perguntas é a busca do autor por sentido. E ele só conseguia refletir sobre isso escrevendo e pensando em personagens, que eram baseados ora em seu próprio pai outras naquilo que tinha vivido como espião - como conflitos envolvendo traições e mentiras que precisou contar.
O Túnel de Pombos retrata o quão complexa foi a vida de John le Carré, enquanto merecidamente presta homenagem a um autor que estabeleceu quase que um gênero literário com seu nome.
Se você chegou até aqui, muito obrigado pela leitura! Até semana que vem!