Retratos Fantasmas e Elis e Tom mostram o grande momento dos documentários
Ambos os filmes se declaram à arte que cada um deles se predispõe a narrar.
💡 Olá
Na última semana tivemos alguns contratempos e não foi possível enviar uma edição - sequer deu tempo de avisar também. Mas estamos de volta!
Há muito tempo não assistíamos dois filmes no cinema no mesmo dia. Bons tempos!
Mas assistimos Retratos Fantasmas, novo filme de Kléber Mendonça Filho (Bacurau), e Elis & Tom. Ambos os filmes são homenagens: o primeiro exalta os cinemas de rua ao mesmo tempo que narra, de maneira até melancólica, o abandono e fechamento da maioria desses lugares; e o segundo reverencia o disco gravado por Elis Regina e Tom Jobim nos Estados Unidos, que se transformou em um clássico mas cujo processo teve seus altos e baixos.
Aproveitando esse editorial para anunciar que nessa semana enviaremos uma edição extra da newsletter, comentando o lançamento de Assassinos da Lua das Flores, novo filme dirigido por Martin Scorsese.
Boa leitura!
Cinema
Retratos Fantasmas é uma carta de amor aos cinemas de rua
Meu pai sempre me conta muitas histórias sobre o quanto ele gostava de ir ao cinema da sua cidade-natal, no interior da Bahia, para assistir qualquer coisa que estivesse passando. Não eram tempos de shoppings centers e grandes marcas como Cinemark. Salas de cinema ficavam na rua mesmo, projetadas para fazerem parte do ambiente urbano e vistos, na época, como sinal de desenvolvimento.
Estas salas estão apenas nas memórias de gerações como as do meu pai, que experimentaram a ascensão e queda destes espaços. Em parte, é isso que o diretor Kléber Mendonça Filho (O Som Ao Redor, Aquarius e Bacurau) mostra em Retratos Fantasmas, documentário escolhido para representar o Brasil no Oscar e em exibição nos cinemas. É um retorno ao gênero que o levou a estrear como diretor, 13 anos depois de lançar o documentário Crítico (2011), construído a partir de entrevistas com críticos de cinema que discutem sobre “o assistir filme”.
Retratos Fantasmas vai em uma outra direção, mas encontra algo comum: o amor de Kléber Mendonça Filho por essa arte. Também narrador nesta nova incursão, ele parte de como a paisagem urbana do Recife, e particularmente do apartamento onde cresceu e do bairro onde morou por toda a vida, sofreram mudanças radicais para se adaptarem à ganância das incorporadoras imobiliárias.
Dessa experiência de observação pessoal, Retratos Fantasmas chega no xis da questão ao mostrar a decadência dos cinemas de rua. Para isso, Kleber Mendonça Filho recupera antigas filmagens de quando ainda era estudante e frequentador assíduo desses espaços no Centro do Recife. Das ruas movimentadas, cinemas cheios e grandes investimentos da alta sociedade da época (décadas de 60 a 80), até o sumiço disso tudo e grande abandono.
O que para mim é essencial em Retratos Fantasmas, e que torna esse documentário de Kleber Mendonça Filho uma carta de amor aos filmes e a esses cinemas, é a forma como ele direciona a câmera para mostrar a beleza desses lugares (as construções imponentes e as telas gigantes) mesmo quando tudo o que vemos são ruínas.
Mendonça Filho adota um tom melancólico, tanto em sua voz quanto nas filmagens recentes que fez, mostrando que boa parte dessas salas se transformaram em templos evangélicos - ao mesmo tempo que o Centro do Recife (e dá para afirmar isso sobre qualquer capital do Brasil) ocorre um boom de farmácias a cada esquina.
A abordagem intimista de Mendonça Filho nos ajuda a reforçar o que outros cineastas, como Scorsese e Nolan, têm refletido e dito sobre preservar a experiência de assistir filmes nos cinemas. É simplesmente para não deixar esses espaços se transformarem em fantasmas e desaparecerem diante dos nossos olhos.
Cinema
Elis e Tom mostra o encontro de dois gênios se desafiando criativamente
Elis e Tom é o típico documentário de bastidores da gravação de um álbum que se tornou clássico. Porém, como também aconteceu na experiência de assistir Get Back, dirigido por Peter Jackson, esse trabalho roteirizado por Nelson Motta e Roberto de Oliveira oferece a experiência de olhar intimamente para esse processo de realização do disco, em imagens que se misturam com arquivos filmados da época e entrevistas atuais com músicos envolvidos diretamente com a obra.
O resultado é que assistimos Elis Regina e Tom Jobim fazendo música juntos ao mesmo tempo que pairava uma certa tensão no ar: Jobim queria ter o controle criativo sobre o disco uma vez que suas composições e arranjos seriam regravados, enquanto que Elis Regina experimentava dúvidas e também não queria participar de um projeto que a sufocasse (ou a amarrasse) como artista.
Em certo modo, esse era o grande problema da época para Elis Regina, cuja carreira estava em declínio em razão de algumas decisões equivocadas - a principal, de participar de um evento promovido pelo exército. A esquerda criticou e muito, pois a ditadura mirava justamente a censura à cultura.
O disco Elis e Tom nasce, então, da tentativa da gravadora Polygram de homenagear Elis pelos dez anos de carreira, aproximando ela de Tom Jobim para transferir o prestígio que Tom tinha na época.
Mas o documentário deixa dúvidas quanto a isso. Tom Jobim tinha sim muito prestígio, mas internacional. No Brasil, o público não o reconhecia como o gênio que era. Ele se incomodava com isso e se mudou do país, indo morar em Los Angeles (cidade onde o disco acabou sendo gravado).
Outro ponto que gera polêmica em Elis e Tom é quando o filme tenta vender a ideia de uma rivalidade entre os dois - o que é descartado pela própria Elis, em uma entrevista recuperada no filme e que contradiz o depoimento de uma figura central no documentário (e em todo o projeto).
Apesar disso, essa possível rivalidade gera cenas engraçadas para quem assiste hoje mas que na época eram realmente motivos de tensão. Em um determinado momento, Tom fala que quando descobriu que iria ter violão elétrico ele quis congelar o avião que trazia Elis e equipe à Los Angeles.
Pessoas ao redor de Tom riem, mas é aquela risada de nervoso, de desespero. Diferente da nossa, enquanto audiência, que rimos apenas pelo prazer de ver o processo criativo de dois gênios se desenvolvendo bem ali.
📦 Recomendações da Semana
É impossível falar de cinema dos últimos 50 anos e não mencionar o diretor Martin Scorsese. Ainda divulgando Assassinos da Lua das Flores, que estreia nos cinemas no dia 19 de outubro, ele foi entrevistado pelo cineasta britânico Edgar Wright para um passeio por sua rica filmografia. Prepare-se para uma aula!
O baterista do Arctic Monkeys, Matt Helders, teve perfil publicado na revista The New Yorker de outubro. Mas não foi exatamente por seu talento como batera, mas sim como fotógrafo. Responsável pela foto de capa do álbum The Car, lançado no ano passado, Helders diz que a foto tirada com sua Laica acabou guiando as letras enigmáticas escritas por Alex Turner, vocalista da banda. Entre outras histórias, ele diz que tem uma pasta em seu celular chamada “The Backs”, só com fotografias tiradas das costas de anônimos que ele encontra pelo caminho - ou do próprio Alex, durante passagens de som antes dos shows. Isso bem que poderia se transformar em uma exposição, o que eu não duvido que aconteça em algum momento.
Oito emissoras públicas do norte da Europa uniram-se para encomendar conjuntamente dramas de alta qualidade e compartilhar as suas séries originais entre si, ao mesmo tempo que vendem internacionalmente. A nova colaboração, New8, nasce do objetivo de competir com a Netflix. O objetivo imediato é co-produzir oito séries de TV anualmente a partir deste ano e garantir a ampla distribuição dos projetos.
Se você chegou até aqui, muito obrigado pela leitura! Até semana que vem!