"Os Encanadores da Casa Branca", Michael J. Fox e "Mrs. Maisel": o riso em estado puro
Sem querer, o riso ganhou os holofotes na edição dessa semana. Além das séries e do filme de Michael J. Fox, trago também os links recomendados ao final.
💡 Olá
Parece proposital, mas não foi. Só me dei conta disso quando estava fechando a revisão da edição dessa semana. Pensei: “ué, tudo o que comentei traz o riso ou cômico como elementos principais… engraçado isso”. Sim, achei graça e abracei o riso.
Comento sobre Os Encanadores da Casa Branca, série que estreou no serviço da HBO Max na última semana, e também sobre um episódio de Mrs. Maisel que acabou servindo para trazer onde de fato estamos nessa última temporada da série. Nos filmes, ainda de maneira modesta, escrevo sobre o documentário Still: Ainda sou Michael J. Fox, que chegou à Apple TV+.
Na edição do dia 29 de maio trarei uma novidade, que irá se manter sempre às últimas edições de cada mês. Eu já fazia algo similar no formato de blog e aqui vai funcionar também, espero.
Enquanto agora parto para preparar a edição da semana que vem, é hora de acompanhar o que vai acontecer em Cannes, o principal festival de cinema do mundo que se inicia terça-feira, dia 16. Lembrando que terá filme novo do mestre Martin Scorsese exibido nessa semana. Ansiedade grande!
Boa leitura!
📺 Séries
Os Encanadores da Casa Branca quer fazer rir com o escândalo do Watergate
O escândalo político de Watergate já foi explorado à exaustão. Para mim, há uma obra definitiva que é Todos os Homens do Presidente (All the President’s Men, 1976), dirigido por Alan J. Pakula e um dos longas-metragens que influenciam até hoje a estética de histórias jornalísticas e escândalos políticos, seja no cinema ou nas séries. Como os filmes, então, perderam um certo interesse por essa trama, considerando que a história já foi contada, o momento é das séries chamarem atenção para o caso - talvez com o intuito de educar as novas gerações.
Em 2022, o canal Starz lançou a série Gaslit (disponível no Lionsgate+ no Brasil), que se concentra na trajetória de Martha Mitchell, esposa de John Mitchell (ex-procurador geral dos EUA). Agora, em 2023, é a vez da HBO Max recriar os eventos de Watergate com a minissérie de cinco episódios Os Encanadores da Casa Branca. Ao contrário do drama quase de época que Gaslit apresentou, a HBO vai na contramão ao buscar o humor na tentativa de requentar uma história por tantas vezes produzida em Hollywood.
A sátira criada por Alex Gregory and Peter Huyck, ambos responsáveis também por Veep, encontra ressonância no humor ainda que persiga o riso o tempo inteiro - mesmo quando não há necessidade ou clima para isso. Com uma homenagem prestada logo no início ao clássico Todos os Homens do Presidente, ao recriar aquele plano famoso da fachada do Watergate, eles colocam no centro da narrativa G. Gordon Liddy (Justin Theroux, de The Leftovers) e Howard Hunt (Woody Harrelson, de True Detective) como as duas “mentes brilhantes” por trás do escândalo e apresenta dois homens dispostos a servir o presidente e ir até as últimas consequências para isso. Contratados para conter o vazamento do que depois veio a ser conhecido como Pentagon Papers, eles logo são “promovidos” e passam a ter ligação direta com a campanha do presidente Nixon à reeleição.
Este personagem, o presidente, por sinal nunca é mostrado na tela. E sua ausência oferece um efeito narrativo que funciona na série para transportar o que aconteceu naquela época para os dias atuais. Há inomináveis figuras mundiais para referenciar, todas elas influenciadas pelo ex-presidente dos Estados Unidos e que hoje enfrenta uma batalha Legal na Corte americana. É interessante, por exemplo, em uma cena de Liddy e Hunt durante uma “missão” em Beverly Hills, quando eles apontam para as mansões onde moram estrelas como Warren Beatty ou Paul Newman, e logo em seguida gritam: “comunistas!”.
A cena é engraçada no ponto certo e ilustra bem o sentimento de paranóia da época (tensões com Rússia e Cuba), mas é ainda mais palpável para o tempo que vivemos, no qual esse sentimento foi reaceso. E também são estas as ideias utilizadas para justificar as tomadas de decisão da dupla e convencer outras pessoas. Mas a série não nos deixa, pela ausência de Nixon, conectar isso a ele - mas sim ao último presidente que ocupou a cadeira na Casa Branca. Por outro lado, há diversos maneirismos que enfraquecem a narrativa quando a série quer exibir seus personagens principais tomando ações estúpidas e sendo estúpidos - há um “quê” de irmãos Coen nisso, da “comédia de erros” que mais tornam esses personagens tristes e trágicos do que efetivamente bem-sucedidos e sabedores do que estão fazendo.
No final, o resultado é bastante dividido, com momentos que a série consegue prender a atenção e sentimos vontade de segui-la enquanto outros tão desinteressantes que é preciso segurar o dedo no controle para não pular.
🎞 Cinema
Still: Ainda Sou Michael J. Fox oferece retrato íntimo da luta do ator contra o Parkinson
A mídia sempre cobriu amplamente a luta do ator Michael J. Fox contra o Parkinson, descoberto quando ele tinha apenas 30 anos no auge do seu sucesso no início da década de 90. Porém, o documentário Still: Ainda sou Michael J. Fox, dirigido por Daves Guggenheim (Uma Verdade Inconveniente, Malala) disponível na Apple TV+, retrata a trajetória do ator com uma intimidade nunca apresentada aos holofotes. Ele próprio escondeu por quase dez anos que sofria da doença. Hoje, Fox é reconhecido pelos investimentos que a fundação que leva o seu nome faz na tentativa de descobrir tratamentos que possam melhorar a vida de quem sofre dessa mesma condição. E nesse documentário ele conta a sua história para uma grande audiência.
Quando me refiro a “ele conta a sua história”, é porque Guggenheim dá a Fox essa chance de falar diretamente para a audiência, sentado em uma cadeira de frente para a câmera, como se estivesse de fato olhando para nós que estamos assistindo-o. Isso torna o documentário quase como uma conversa, se equilibrando entre momentos hilários, quando é possível rir do timing que Fox tem para a comédia, outros difíceis quando ele relembra a descoberta do diagnóstico (o fato de não aceitar por achar que “Parkinson é uma doença de velho”) e até românticos, quando a narrativa se concentra na sua história de amor com Tracy Pollan que começou ainda no set da série Family Ties (1982-1989).
Enquanto Fox mostra o seu talento para contar história, e também para lidar com o Parkinson ainda que seja difícil se equilibrar algumas vezes e conviva com constantes quedas aqui e ali que trazem enormes problemas, Guggenheim acerta ao deixar a montagem mais ágil para refletir o quão rápido Fox se movimenta (cerébro e corpo). Isso é um contraponto às recomendações dos seus fisioterapeutas e médicos, que a todo momento pedem “mais calma” ou “vá mais devagar”. Algo que ele só consegue controlar a base de medicamentos.
Mas o trunfo de Still: Ainda Sou Michael J. Fox reside em não mostrar a sua história definida pela doença. Claro, o Parkinson é um elemento importante. Mas não pode ser o todo, uma vez que o documentário celebra o grande talento de Michael J. Fox, seu início difícil quando faltava dinheiro até para comer, suas passagens pela televisão e o enorme sucesso em De Volta para o Futuro que o catapultou para o estrelato - e tendo que lidar com isso, algo que ele discute que deveria vir com um “manual de como se preparar para a fama”. Michael J. Fox, e sua família, conseguem rir do Parkinson. E acho que nós, como audiência, passamos a rir também depois de assistir essa história. Não há remédio melhor contra essa ou qualquer doença.
📺 Séries
A Maravilhosa Mrs Maisel chega à última temporada com a mesma coragem e frescor da estreia
Não é toda série que consegue após algumas temporadas se manter relevante ou com aquela mesma chama de novidade quando foi exibida pela primeira vez. A Maravilhosa Mrs Maisel, criada por Amy-Sherman e Daniel Palladino (Gilmore Girls) e disponível no Prime Video, pode ser adicionada nesta categoria. E isso logo quando a série demonstrava certa fadiga no quarto ano. A renovação para a quinta e última temporada não foi uma surpresa, mas havia uma necessidade de buscar um desfecho para Miriam “Midge” Maisel (Rachel Brosnahan, de House of Cards). Apesar de ainda ter alguns episódios a serem exibidos para encerrar a série, o quinto capítulo entrega a curva de amadurecimento e uma garantia de que A Maravilhosa Mrs. Maisel não irá decepcionar nesse final - tomara que eu esteja certo.
Nessa temporada, os Palladino subverteram a narrativa certinha que tanto marca os seus trabalhos. Ao trazerem viagens no tempo (flashforwards) que pincelam pouco a pouco o destino dos personagens, a série ganha uma dinâmica que justamente faltava nas temporadas anteriores, quando confiava exclusivamente no texto e nas atuações do elenco. Esses elementos são tão bons que não é preciso mesmo forçar nada, mas trazer algo novo quando faz sentido à narrativa é sempre bom.
E isso me traz ao quinto episódio (“The Pirate Queen”), que me fez rir como há muito tempo eu não conseguia - assistindo qualquer coisa, seja filme ou série (talvez alguns especiais de comédia de Dave Chappelle que revi recentemente mas, como sou fã, não contam tanto). Esse capítulo é uma prova do quanto o elenco e o texto da série são afiados. Isso fica claro na sequência do casamento de Zelda, empregada doméstica da família Maisel. A cerimônia acontece no apartamento dos Maisel e tudo está bem até o discurso do noivo, quando ele fala que a partir de agora Zelda não mais precisará se preocupar em trabalhar e outras coisas mais. A família Maisel, ao ouvir isso, saem do estado total de alegria para uma preocupação cômica e hilária ao se verem na iminência de perder o privilégio de ter uma pessoa que faz tudo por eles. A cena é muito bem construída, em cima de tudo que a série contou até o momento, e é impossível segurar o riso.
Por outro lado, a sequência em si ajuda a evocar a questão do tempo que marca essa temporada. Os flashforwards não são apenas um recurso de montagem, tornando-se um elemento narrativo importante que mostra, de um lado a passagem do tempo e como determinados costumes vão se tornando obsoletos, e do outro os pulos que sinalizam onde os personagens chegarão após toda a história que acompanhamos. Uma decisão corajosa dos Palladino, mas que fez todo sentido e abre espaço para as características mais ricas da série brilharem: o texto e o elenco.
📦 Recomendações da Semana
Não importa se é Netflix, Apple TV+, Amazon Prime Video, Disney+, HBO Max – para cada grande série ou filme que assistimos nas plataformas, há meia dúzia de coisas que odiamos na experiência real de fazê-lo. Todos elas sofrem de experiências de usuário terríveis. A Fast Company nesse artigo lista os problemas de cada uma, da dificuldade em selecionar a opção de "continuar assistindo" na Apple TV+ aos créditos na Netflix que simplesmente pulam automaticamente para exibir um novo episódio. E eu ainda mencionaria o tal algoritmo de curadoria, que mais parece tentar nos fazer assistir o que a plataforma quer vender do que encontrar de fato algo que combina com o que estou assistindo.
Rainha do Rock, Titã do Rock, chame como quiser: a verdade é que Rita Lee marcou a música popular brasileira e toda uma geração - sem falar das que ainda descobrirão a sua relevante obra. Imprensa brasileira e estrangeira fizeram uma ampla cobertura da cantora que nos deixou aos 75 anos, em decorrência de um câncer no pulmão (apelidado de Jair) que ela começou a tratar em 2021. O NY Times relembrou a trajetória de Rita Lee n'Os Mutantes e a influência da sua música pelo movimento cultural e artístico Tropicália. Já o importante Pitchfork ressaltou o talento de Rita Lee, multi-instrumentista e a parceria com seu marido, Roberto de Carvalho. E tem essa outra pérola: a pedido do Estadão, em 2020, o artigo em que Rita entrevista Roberto e vice-versa. Maravilhoso o texto!
Descanse em paz, Rita! 🖤
E faça um rock aí com David Bowie para animar o céu. Deixo aqui uma música de Rita Lee para encerrar essa edição, escutada bastante nos últimos dias por minha esposa, que é completamente fã de Rita.
Obrigado pela leitura. Até semana que vem!