Final de Sex Education, curta-metragem de Almodóvar e Coppola no Grandes Clássicos
Novo filme de Almodóvar, um curta-metragem de 30 minutos que funciona até como experimento de linguagem, deixa aquele gosto de mais. E esperamos que tenha mesmo.
💡 Olá
Estamos de volta depois de um merecido descanso!
Chegamos com o pé na porta, como dizem por aí, com textos sobre a última temporada de Sex Education, o curta-metragem de Pedro Almodóvar que foi exibido em Cannes e um filme do diretor Francis Ford Coppola na coluna Grandes Clássicos.
Boa leitura!
Séries
Sex Education volta para última temporada com vigor de estreante
Quando estreou, Sex Education deixou logo como primeira impressão a autenticidade em tratar temas como diversidade e identidade de gênero no meio juvenil. Essa característica permanece na quarta e última temporada, já disponível no catálogo da Netflix Brasil. Com a missão de dar um final a personagens que se tornaram tão marcantes nessa nova era da televisão, a série criada por Laurie Nunn mais uma vez se livra dos estereótipos para entregar algo autêntico.
Isso porque o final não é marcado por formatura, ou transição do colégio para a universidade ou sequer uma grande celebração no qual todos os personagens aparecem felizes. O encerramento aqui para eles se dá no âmbito emocional. Em sua grande parte, os episódios da quarta temporada nos lembram que eles estão em busca da própria identidade. E isso pode significar um propósito de vida ou se aceitar (ou não) com o corpo e o gênero que vieram ao mundo.
Em um determinado momento, a própria série sublinha a fluidez com que essas coisas acontecem - especialmente na cabeça de adolescentes. Otis (Asa Butterfield), por exemplo, vive sua própria jornada pessoal de superar um trauma da infância; Maeve (Emma Mackey) está em busca do seu sonho de se tornar escritora e sair de Moordale; Eric (Ncuti Gatwa) se vê em conflito entre o cristianismo da sua família e a sua homossexualidade; enquanto Aimee (Aimee Lou Wood) encontra na arte a maneira de superar um abuso sofrido.
Muitos outros personagens retratados na série ganham algum espaço para discutir seus próprios problemas ao mesmo tempo que Sex Education defende a terapia. Isso é a série lidando com vários tabus ao mesmo tempo, na sua tentativa real de educar o público que sempre enxergou a sociedade por uma lente muito simplista. O mundo, de fato, mudou. Mas o respeito ainda não acompanha essas mudanças.
Um emaranhado de várias crises existenciais que os personagens precisam enfrentar e tudo isso antecedendo os exames finais que definem o que eles irão fazer em seguida quando as aulas no colégio terminarem. É uma prova do quanto os adolescentes também sofrem e que essa fase não é apenas festa e badalação como outras séries do mesmo gênero já representaram.
E Sex Education consegue, nesta última temporada, o equilíbrio entre as jornadas individuais de cada personagem e os conflitos que acabam pautando discussões que a própria sociedade precisa enfrentar para acolher todas as diferenças. Vez ou outra, Sex Education cai no melodrama mas não se afoga nele. É aquele discurso positivo que pode incomodar, mas que é necessário para as pretensões da série de inspirar quem está assistindo.
Sobre inspirar, uma das tramas mais poderosas da temporada é acompanharmos Cal e sua experiência com disforia de gênero, enquanto se entope com pílulas para elevar a testosterona e busca fazer a mastectomia - um procedimento limitado a quem tem condições de pagar por ele e não disponibilizado pelo governo do Reino Unido.
Ao longo da temporada, Sex Education recheia os episódios com outros temas, navegando por assuntos como acessibilidade, fé e discriminação. Contribui para isso a maneira multidimensional com que os personagens são desenvolvidos. No fim, essa autenticidade e coragem é o que torna Sex Education uma série obrigatória nos tempos de hoje.
Cinema
Estranha Forma de Vida é o encontro de Almodóvar com o romance gay no western raiz
Em uma viagem recente que fiz a São Paulo, pude assistir na sala do CineSesc (belíssima, por sinal) ao curta-metragem Estranha Forma de Vida, dirigido por Pedro Almodóvar e que traz Pedro Pascal (Silva) e Ethan Hawke (Xerife Jake) como dois caubóis, ex-amantes, que se reencontram depois de muitos anos.
Mas dá para dizer que se trata também de um duplo-reencontro, um que se dá entre esses personagens e outro mais pessoal e do próprio Almodóvar que, desde que declinou a adaptação de Brokeback Mountain, da autora Annie Proulx (o filme acabou sendo dirigido por Ang Lee), o diretor espanhol busca alguma resposta a essa obra e que tenha sua visão própria.
Estranha Forma de Vida representa essa tentativa, começando justamente com o fado cantado por Caetano Veloso antes de mostrar os dois personagens principais e a reconexão de ambos. Silva (Pascal) está na cidade com segundas intenções, uma vez que ele diz que precisa se consultar com um médico em razão de dores nas costas. Já Jake, recém empossado como Xerife, tem a missão de encontrar o autor de um crime brutal que espantou os moradores locais.
Almodóvar deixa claro as diferenças entre os personagens: Silva é muito mais direto e objetivo sobre seus sentimentos, ao contrário de Jake que reprime e busca resistir o tempo todo ao charme de Silva. O próprio Jake, na realidade, acredita que Silva veio até a cidade com outras intenções que não envolvia o relacionamento antigo dos dois. E isso se revela mais profundamente como um conflito no filme no dia seguinte, quando Almodóvar também mostra suas verdadeiras intenções.
O melodrama inicial dá espaço ao suspense, algo até típico de Almodóvar dos últimos filmes. Como são apenas 30 minutos de história, fica sim a expectativa de que poderíamos assistir mais dessa história e de como Almodóvar costuraria a trama até o desfecho. Ainda em Cannes, quando Estranha Forma de Vida foi exibido pela primeira vez, o diretor espanhol comentou que essa história poderia funcionar como o prelúdio para um longa-metragem.
Se de fato essa ideia se concretizar, Almodóvar terá a oportunidade de popular ainda mais a trama com outros personagens, preenchendo conflitos que no primeiro momento estão na superfície - principalmente relacionados ao passado dos personagens, história brevemente contada por meio de flashback que relembra como eles se conheceram e marca o início da paixão avassaladora de ambos.
Grandes Clássicos
A Conversação é obra-prima de Coppola e continua mais atual do que nunca
Francis Ford Coppola é bastante lembrado, de maneira justa, por seu trabalho na trilogia O Poderoso Chefão. A Conversação (1974), no entanto, um filme menos conhecido, com orçamento menor mas reconhecido ao vencer a Palma de Ouro no Festival de Cannes e receber três indicações ao Oscar, é também um trabalho memorável do diretor e mantém sua relevância nos dias atuais.
Para explicar o porquê de um filme dos anos 70 ser relevante ainda hoje basta dizer sobre o que ele trata: vigilância tecnológica.
Harry Caul (Gene Hackman) é contratado por um cliente (Robert Duvall) para grampear a conversa do casal Mark (Frederic Forrest) e Ann (Cindy Williams) enquanto estes andam pela Union Square em São Francisco no meio de performances circenses, músicos e moradores de rua.
Coppola costuma dizer que esse é o seu trabalho mais pessoal. Escrito e dirigido por ele, a trama se baseou nas escutas que vieram à tona no escândalo de Watergate e na tragédia que foi a guerra do Vietnã. Assim, Harry é um produto desse momento tenso e conturbado.
Ele não é necessariamente uma pessoa ruim. No entanto, quando ele sincroniza as gravações da conversa e ouve a fita, Harry se vê numa encruzilhada moral ao perceber que o diálogo entre eles revela fortes indícios de um assassinato prestes a acontecer. A partir daí, ele passa a conviver com a dúvida se entrega ou não as gravações para o seu cliente.
Esse conflito se transforma em uma oportunidade para conhecermos mais sobre Harry, sua profunda fé (ele não gosta quando citam os nomes de Deus ou Jesus em vão), seu método detalhista de trabalho cujo reconhecimento é compartilhado pelos pares desta “indústria” e sua obsessão (ou paranoia) com as possibilidades dessa tecnologia que ele usa para ganhar dinheiro ser usada também, de certa maneira, para espioná-lo.
Gradualmente, A Conversação vai se tornando um filme que segura esse mistério se de fato um assassinato pode ou não acontecer - ou se já aconteceu. Isso graças à direção de Coppola e a fotografia de Bill Butler (Tubarão), que utilizam bem os efeitos dos próprios cenários para estabelecerem tensão (a sequência em que Harry caminha no corredor do prédio escondido pelos espelhos azuis que compõem a fachada), enquanto a trilha composta por David Shire (Zodíaco) transforma A Conversação em um verdadeiro thriller psicológico.
Nesse sentido, o filme de Coppola se diferencia de Depois Daquele Beijo (1967), dirigido por Michelangelo Antonioni. Nele, Thomas é um fotógrafo cujas imagens que ele tira de um casal no parque pode ter documentado, sem querer, um assassinato. Antonioni trata ali do culto à celebridade e da efeverscência cultural no cenário londrino da época, enquanto que a discussão no filme de Coppola é outra e dá mais atenção ao tom de mistério e suspense.
A Conversação é relevante porque reflete sobre a linha tênue entre privacidade e tecnologia, ao mesmo tempo que é um estudo de personagem. No centro, um homem solitário e que vive a vida pela curiosidade de saber o que os outros estão falando. É impossível saber se o crime acontece ou se o que vemos na tela é, a partir de um determinado momento, fabricado pela mente paranoica do nosso protagonista.
Por isso é um filme tão fascinante, levando o espectador às catarses que só a mente humana pode produzir.
Próximo Filme: Oldboy, de Park Chan-wook.
📦 Recomendações da Semana
Roteiristas nos EUA dizem que chegaram a um acordo provisório com os chefes dos estúdios que poderia levá-los a encerrar uma greve que já dura quase cinco meses. O Sindicato dos Roteiristas (WGA, na sigla em inglês), chamou o acordo de "excepcional", com "ganhos e proteções significativas para os escritores". Agora, os membros do WGA devem se reunir para discutir se aceitam ou não essa tentativa de acordo.
Se você chegou até aqui, muito obrigado pela leitura! Até semana que vem!