Como Aster, Eggers e Peele estão mudando o cinema de horror
Os três diretores, mesmo com poucos longas-metragens no currículo, oferecem ao público leal desse gênero uma abordagem diferente e mais complexa.
🎞 Cinema
O gênero de horror da década de 2010-2020 teve uma repaginação importante e necessária. Após o cinema passar alguns anos com filmes que se transformaram em grandes franquias como O Chamado, Pânico e Jogos Mortais, cujo propósito central era resgatar o subgênero slasher que caracterizou o horror nos anos 80 com uma ideia clara de se alimentarem das convenções já construídas em outros filmes, a nova safra de produções têm foco em roteiros mais complexos e ousados. Aqui os autores buscam medos específicos dentro de determinadas culturas. E têm três cineastas que estão se destacando e liderando esse movimento: Ari Aster (Hereditário, Midsommar e o mais recente Beau Tem Medo, comentaremos sobre esse filme em outra edição), Jordan Peele (Corra!, Us e Nope) e Robert Eggers (The Witch, The Lighthouse, The Northman e está em processo de produção do remake Nosferatu).
Aster ganhou os holofotes novamente na última semana com o lançamento de Beau Tem Medo. Até aqui, em sua curta carreira como diretor de longas-metragens, suas histórias se conectam por meio de uma ideia central: relacionamentos familiares complicados. Dá para dizer algo similar sobre os três filmes do diretor Jordan Peele, uma vez que seus roteiros lançam um olhar para o horror marinado em uma bandeja com elementos políticos e sociais. O próprio Peele já disse em algumas entrevistas que não se vê fazendo um filme com protagonista branco: “já vi esse filme”. Uma fala honesta e que reafirma seu desejo de trazer os injustiçados para o centro da história, porque fazer cinema é um privilégio que não é qualquer preto ou preta que tem.
Essa é a aposta do trio, fazer cinema que ainda não foi visto por completo - de acordo com as referências individuais de cada um deles. É um paralelo que só de pensar já é frágil, mas ainda vai valer a pena: é como Thomas Howard (personagem vivido por Robert Pattinson em The Lighthouse) enxerga pela fresta seu parceiro de trabalho, Thomas Wake (Willem Dafoe), com um misto de curiosidade e fascínio. O cinema dos três apontam para essas brechas e provocam no espectador a oportunidade de justamente assistir algo que seja original, provocador e desconfortável ao mesmo tempo. Também é uma característica que se nota nos filmes de Eggers o qual, na comparação com os dois, pode estar um pouco mais distante da definição de horror como gênero. Seus filmes, chamados também de “histórias de época”, transitam mais para o experimental, banhados pela paranóia e ilusão que seus personagens sentem em meio à solidão que vivem.
Apesar do medo ser o elemento mais comum nos filmes desse gênero, o que também estes três cineastas buscam em suas obras, e que aparecem com frequência, é a angústia, tensão e o nojo. E há uma subversão na estética deles no que se refere ao monstro, essa figura tão característica do cinema de horror. Por apresentarem abordagens distintas ao gênero, os três propõem novas possibilidades para esse personagem. Nas obras de Aster, Eggers e Peele, o monstro por vezes não é tão claro quanto em Tubarão, O Albergue e outras franquias. O comum na visão que esses três cineastas levam para suas narrativas quando pensam na manifestação do amedrontador está em elementos metafísicos, sociais ou sobrenaturais.
Mesmo com poucos filmes lançados, Aster, Eggers e Peele estão influenciando o horror moderno, chegando a uma fatia dos leais fãs desse gênero que desejam ser questionados sobre o que estão assistindo por obras originais que subvertem o tempo inteiro as premissas e características que marcam essa estética.
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Três anos atrás, novos serviços de streaming estavam favorecendo o roxo como sua cor de marca preferida. Agora, todos eles têm o azul. O mais recente, Max, se juntou ao Prime Video, Disney+ e Paramount+, todos com variações de azuis. A Netflix, no entanto, se mantém com o seu tom vermelho característico. Nesse artigo, a jornalista Kelsey Sutton explica como as gigantes do streaming partiram para esse tom, buscando transmitir a mensagem de serviços com menor apelo premium (custo) e confortável aos olhos (empatia).
Na newsletter anterior fiz alguns comentários sobre o retorno da série Barry, para a quarta e última temporada. Tem dois artigos bem interessantes sobre Bill Hader, o criador, protagonista e diretor dos episódios. No primeiro ele revela como o aclamado diretor Guillermo Del Toro participou do quarto episódio dessa última temporada; no segundo, uma entrevista mais extensa, Hader projeta o que pode fazer no futuro (ele até discute sua aparição surpresa em Beau is Afraid, novo filme do diretor Ari Aster), inclusive sobre a possibilidade de se entregar completamente à direção de longas-metragens.
Por último, gostaria de conectar dois cineastas que acabaram discutindo o mesmo assunto em artigos nesta semana e tomaram ações diferentes. Jim Jarmusch, que por aqui somos fãs dos seus filmes como Amantes Eternos, Paterson, Sobre Café e Cigarros, Flores Partidas (maravilhoso, sua grande obra), afirmou em entrevista ao Guardian que “a indústria cinematográfica acabou”. Ele explica o porquê e usa isso para justificar como deixou para trás o cinema para se dedicar agora à carreira musical. Por outro lado, o diretor Ari Aster (falamos bastante dele por aqui nessa semana), tem uma sensação similar de que os filmes como conhecemos estão morrendo. No entanto, ele está usando sua produtora, a Square Peg, para tentar solucionar isso. Nos últimos meses fechou um acordo com a A24, queridinha do circuito indie, para apoiar cineastas estabelecidos com visões ousadas e incomuns que podem precisar de ajuda extra para financiarem seus projetos.
Muito obrigado pela leitura. Até semana que vem!