Black Mirror retorna após quatro anos: episódios comentados - Parte 1
Série se afasta da distopia tecnológica, que ela própria ajudou a estabelecer no streaming, para se aproximar da realidade.
💡 Olá
Dei uma chance à sexta temporada de Black Mirror. Não posso dizer que me arrependi. Mas continua não enchendo os meus olhos. Não gosto de pensar nessa história de “não sou o público”. Talvez eu seja. Não para todas as histórias, mas para algumas.
Senti isso enquanto assistia, que comento três episódios nesta edição e outros dois capítulos deixo os textos para semana que vem.
Comentei em outra edição que estava revendo Mad Men e assistindo, pela primeira vez, Snowfall. Maratonei Mad Men e terminei a primeira temporada rapidamente. Impressiona o quanto a série boa, principalmente se você supera os três episódios iniciais.
Já Snowfall, ainda não consegui pegar o ritmo da série. A história é ótima, idem para os atores e a trilha sonora é um dos pontos altos. Mas não engrenei.
Boa leitura!
📺 Séries
Black Mirror se afasta da distopia tecnológica para se aproximar da realidade
Os três primeiros episódios da sexta temporada de Black Mirror, que retorna após quatro anos, deixam uma impressão bem clara: a realidade é mais interessante do que a distopia. Quando Black Mirror estreou, narrativas distópicas não eram bem aceitas. De uns tempos para cá, o streaming é dominado por produções assim - a Apple TV+ que o diga. Faz sentido, então, se afastar de um gênero que a própria série ajudou a estabelecer. Mesmo porque, não é preciso ir muito longe para atestar as crueldades da realidade e controvérsias da sociedade.
“Joan is Awful”
O episódio que abre a 6ª temporada de Black Mirror emula a história do filme O Show de Truman, em um movimento até previsível para os padrões da série. O plot do capítulo reside na privacidade e questiona qual seria a reação se, ao rolar pelos títulos disponíveis no serviço de streaming (aqui chamado Streamberry, mas com o mesmo visual de uma Netflix), encontrássemos um programa que recontasse a nossa vida em tempo real.
Joan (Annie Murphy) passa por essa experiência. Isso serve de gancho para Black Mirror também criticar duramente o uso de tecnologia para produzir histórias mais rápidas, pois o capítulo provoca ao mostrar a série gerada por supercomputadores.
Joan is Awful não é também tão distópico quanto outras incursões de Black Mirror.
Porém, tinha uma história ali mais forte no episódio que poderia ser contada: sobre a atual pressão enfrentada pela geração de líderes que têm entre 35 e 50 anos. Nos primeiros minutos da narrativa, essa era a trama que parecia ter mais potencial.
Pena que ela deu espaço para algo mais óbvio.
“Loch Henry”
O segundo episódio torna mais claro o movimento de Black Mirror, de se afastar mais da ficção distópica enquanto se aproxima da crítica social mais palpável ao público. O tema central de “Loch Henry” é a obsessão pelo gênero true crime, que se popularizou em várias mídias, começando nos podcasts e chegando até os serviços de streaming com várias séries que recriam crimes reais.
Black Mirror até consegue ser bem-sucedido em mostrar como existe um fascínio do ser humano por histórias macabras, pontuando desde aqueles que cometem esses crimes até o público que assiste, aplaude e se reúne para também darem uma de detetive.
O que decepciona no episódio é a forma lenta como as tramas se desenrolam. Há um bom tempo perdido na ambientação para, de maneira agitada, o episódio concluir com um plot twist que poderia ter sido melhor orquestrado.
“Beyond the Sea”
“Beyond the Sea”, ao contrário dos anteriores, é mais sensível, às vezes também poético. E isso permite a série trabalhar mais o lado emocional de uma história cujo fim tende a ser trágico.
A narrativa nesse episódio acompanha dois astronautas, Cliff (Aaron Paul) e David (Josh Hartnett, bom vê-lo de volta às produções), em uma realidade alternativa ambientada em 1969. Enquanto os dois estão em uma missão no espaço que deve durar 6 anos, na Terra seus corpos são réplicas que permitem com que eles “retornem” toda semana na tentativa de levarem uma vida mais comum.
Quando uma tragédia envolvendo David atinge diretamente sua família, Cliff permite que este use a sua réplica para se recuperar. A partir daqui a dinâmica de relacionamento entre eles muda.
Black Mirror explora bem isso, além de também levantar controvérsias sobre as possibilidades de chips baseados nos sentimentos de pessoas reais implantados em robôs movidos por alguma inteligência artificial - ainda que nesse episódio tudo isso esteja em estágio bem primitivo.
Certamente, “Beyond the Sea” foi o episódio em que Black Mirror mais conseguiu atestar seu ponto de vista, de maneira eficiente, sensível e dolorosa.
Os últimos dois episódios estarão na edição da próxima semana.
📦 Recomendações da Semana
Um artigo recente da Vulture discute como o modelo de streaming, fundado pela Netflix, está quebrado. A indústria de Hollywood está, aos poucos, percebendo isso. Acabou a temporada de “queimar dinheiro” com uma vasta produção de conteúdo, muitos sem qualidade. Manter um negócio assim se tornou inviável. A própria Netflix voltou a uma estrutura econômica mais racional que lembra emissoras tradicionais como ABC, NBC, CBS, etc. Essa estratégia veio para ficar.
Me deparei com o termo “quiet luxury” por causa de um artigo gringo que traçava um paralelo com a série Succession. Vim entender mais o significado a partir dessa reportagem do jornal Folha de S. Paulo. De maneira geral, dizem que o 1% bilionário do planeta não quer chamar atenção em um mundo cheio de policrises, ou que estão mais preocupados com o meio ambiente. O que me fez gostar do texto da Folha é que sim, fala disso, mas também mostra que isso não passa de ostentação e que “estarem preocupados com o mundo” é pura balela.
Até semana que vem!