Ahsoka, Past Lives e mais um filme no Grandes Clássicos entre as resenhas da semana
Mais uma edição recheada com bastante conteúdo
💡 Olá
A edição dessa semana está recheada de conteúdos (já comentamos aqui o desafio semanal que é fazer a news, né? Mas também é recompensador). Falamos sobre Ahsoka, nova série da Disney+ ambientada no universo Star Wars e os filmes Past Lives, disponível aí na Internet (não dá para esperar a boa vontade dos distribuidores no Brasil), e As Duas Faces da Felicidade, filme complexo dirigido por Agnès Varda e que foi escolhido para a coluna Grandes Clássicos.
Sempre importante explicar, porque temos novos inscritos na nossa newsletter, na coluna Grandes Clássicos escolhemos sempre algum filme que gostamos muito para rever e resenhar na edição que enviamos na última terça-feira do mês (nossa news sai sempre às terças). Dá para navegar entre as edições antigas para saber quais os filmes que já comentamos até o momento.
Nos links recomendados, destaque para o line-up do Festival de Cinema de Nova York, divulgado na última semana, e um artigo bem interessante sobre o negócio lucrativo dos festivais de música (final de semana começam os primeiros dias de The Town, não é mesmo?).
Boa leitura!
Séries
Ahsoka pode ser confusa para quem conhece universo de Star Wars apenas dos filmes
Não sou daqueles fãs de Star Wars que conseguem acompanhar tudo o que sai. Mesmo antes da Disney+, as séries animadas e todos os outros formatos que foram expandindo a história. Já no universo do streaming, tentei assistir The Mandalorian até onde a paciência permitiu. Das séries recentes, Andor foi a única mesmo eficiente para mim que soube misturar bem política e ação como os filmes de Star Wars fizeram - além de conter personagens complexos, com causas e que nos importavam enquanto assistíamos.
Ahsoka, a mais recente produção da Disney+ criada por Dave Filoni (responsável pelas animações The Clone Wars e Star Wars Rebels), expande justamente as histórias dessas duas produções mencionadas. A trama acompanha a mestre Jedi Ahsoka Tano (Rosario Dawson) em sua jornada de salvar a recém-inaugurada Nova República uma vez que o Império sucumbiu.
Mesmo tentando explicar determinados acontecimentos e origens dos personagems, para aqueles que não assistiram nenhuma das animações, Ahsoka pode deixar os espectadores mais novatos um pouco perdidos. Foi o meu caso: minha impressão é que existe uma trama que eu não conheço por trás — e a série trata como mistério mas que, no final, não é tão misterioso assim para quem já viu as séries animadas.
A personagem-título vivida por Rosario Dawson impõe um certo fascínio, assim como o antagonista Baylan Skoll (Ray Stevenson, que faleceu recentemente). Os dróides, mais uma vez, também capturam nossa imaginação. Outros personagens ainda será necessário dar mais tempo, casos da mandaloriana Sabine Wren (Natasha Liu Bordizzo), antiga Aprendiz de Ahsoka, e a Aprendiz de Baylan, Shin Hati.
A nova série da Disney+ até pode ter começado meio devagar nos dois episódios iniciais que abrem a temporada, mas a esperança é que a história tem potencial para crescer à medida que a Nova República vai desvendando ainda os focos de resistência e apoio ao Império. Há boas sequências de ação em ambos os capítulos, principalmente no segundo em um duelo entre Ahsoka e um droide com sabre de luz que lembra o de Darth Maul.
Aliás, falando em Darth Maul, considerando a sua origem darthomiriana, é possível que Ahsoka também aprofunde na história dessa linhagem — até pela ligação de Morgan Elsbeth com esse antepassado (Diana Lee Inosanto) e sua relevância apontada nesses episódios iniciais.
Há outras conexões com personagens históricos do universo Star Wars e que a série deverá abordar em algum momento. Por isso dá para aguardar muitas aparições surpresas nos próximos capítulos. Talvez este seja um dos motivos principais para continuar assistindo.
Cinema
Past Lives é um filme maduro sobre o amor e permite reflexões que estão além da tela
A sequência de abertura de Past Lives, com estreia adiada no Brasil mas já no streaming nos Estados Unidos, revela o tom do filme muito claramente. A câmera de Celine Song, estreando na direção de longas-metragens e cuja história do filme é baseada em sua própria experiência pessoal, captura o trio de personagens no bar à medida que uma narração ao fundo questiona o que será que eles são.
Ou melhor, qual o estado de relacionamento no qual eles se encontram: se o rapaz coreano é namorado da coreana; se o americano, quieto ao fundo, é amigo dos dois; ou é namorado da coreana, mas está em silêncio porque não entende o que aqueles amigos coreanos de longa data estão falando.
Isso ajuda a diferenciar Past Lives de outros filmes como a trilogia de Richard Linklater (Antes do Amanhecer, Antes do Pôr-do-Sol e Antes do Anoitecer), ao colocar duas pessoas que se reencontram em Nova York e passam o dia juntas. Com menos melodrama e mais maduro, Past Lives permite reflexões que vão além do que assistimos na tela.
Para contar essa história, Celine Song transporta a audiência para a Seul, na Coréia do Sul, de 24 anos atrás. Ali, a pré-adolescente Na Young (Seung Ah Moon) está prestes a emigrar para o Canadá com os pais e sua irmã. Mas tem um garoto na escola, Hae Sung (Seung Min Yim), de quem ela gosta e o sentimento é mútuo. Inteligentes e amigos, eles competem pela nota mais alta, por quem sabe mais e essa é apenas uma faísca do que de fato um sente pelo outro.
Após essa introdução e rotina que estabelece a trama, e também o conflito dela, Past Lives avança doze anos enquanto os personagens, adultos, seguem a vida, crescem e se desenvolvem em países diferentes.
Na Young, que agora se chama Nora (Greta Lee, em soberba atuação) vive em Nova York em busca da sua carreira como escritora, enquanto que Hae Sung (Teo Yoo) segue sua carreira de engenheiro. Os dois conseguem se reencontrar por meio do Facebook e começam a passar tempo juntos pelo Skype conversando. É como se estivessem namorando à distância, até que as bifurcações nos caminhos de ambos novamente os afastam.
Mais doze anos se passam até que eles se reconectam novamente, quando Hae Sung finalmente decide visitar Nova York. Com o reencontro, Celine Song retoma também o visual apaixonante que cerca os dois personagens e lembra as primeiras sequências de ambos ainda crianças. Não há qualquer interação física entre os dois, mas é possível sentir que há algo de especial na forma como se olham, na empolgação com que os diálogos são falados e também como sorriem um para o outro.
Past Lives também discute imigração e como essa experiência marca a vida de alguém. Deixar toda uma cultura para trás reflete nos relacionamentos de Nora que, casada com Arthur (John Magaro) e restabelecendo essa conexão com Hae Sung (e com seu passado juvenil), a faz também se sentir menos coreana como ela própria confidencia em determinado momento.
Romântico e maduro o suficiente para filosofar pensamentos sobre a vida, Past Lives faz os personagens questionarem o que teria acontecido se Nora não emigrasse, se isso seria suficiente para ela e Hae Sung estarem juntos ou o que seriam da vida de ambos se eles tivessem crescido em Seul e não separados um do outro.
Nessa mistura que junta nostalgia, remorso, afeto e amor, o filme de Celine Song se posiciona como diferente em relação às outras produções similares ao não buscar o melodrama fácil ou da tentação de transformar a história em um fútil triângulo amoroso. Song protege o sentimento especial entre Nora e Hae Sung ao mostrar que, no fim, o vínculo e a conexão especial que um tem pelo outro é tão eterno como se estivessem de fato juntos.
Grandes Clássicos
Agnès Varda satiriza a ideia de família perfeita em As Duas Faces da Felicidade (1965)
Agnès Varda, cineasta francesa e uma das mais importantes vozes da sua geração e do movimento da Nouvelle Vague (formado majoritariamente por homens), abre seu terceiro longa-metragem (o primeiro colorido), As Duas Faces da Felicidade (Le Bonheur, 1965), com uma visão clara do que a sociedade enxerga como uma família perfeita e feliz.
Os elementos que compõem esse primeiro quadro são essenciais para entender a narrativa do filme: como As Duas Faces da Felicidade sai de uma sequência pulsante e feliz da família de mãos dadas vagando idilicamente pelo bosque, com cortes bruscos e pontuada por uma peça musical de Mozart (Clarinet Quintet K581 in A Major), para o mesmo quadro (com diferenças sutis), agora no final da história, com o mesmo Mozart (Adagio and Fugue K546 in C Minor), mas melancólico e pensativo?
Esse é o grande cerne da questão do filme de Agnès Varda, talvez a sua mais debatida obra e considerada uma das mais controversas também. A trama acompanha François (Jean-Claude Drouot), marceneiro e casado com Thérèse (Claire Drouot), uma estilista e costureira — os atores também são casados na vida real e eram as grandes estrelas da televisão francesa na época. A família é completada por duas crianças, também interpretadas pelos filhos do casal Druout.
As Duas Faces da Felicidade acompanha a rotina dessa família perfeita, como a sociedade gosta de apontar. Até chegar ao seu ponto de desequilíbrio, quando François viaja até uma cidade próxima do subúrbio parisiense onde vivem e conhece Émilie (Marie-France Boyer), uma trabalhadora dos correios local.
Os dois trocam olhares, começam a flertar e marcam encontros. Não demora muito para François se declarar para a amante, substituindo tão facilmente toda a estrutura familiar que construiu pelo seu egoísmo e desejo.
Nesse momento o filme de Agnès Varda começa a ser mais debatido pelas escolhas que a diretora faz. Será que As Duas Faces da Felicidade é sua tentativa de criticar a ideia da família perfeita? Será que a sua ideia de felicidade, estampada no título, é uma ironia e parte dessa crítica social? As Duas Faces da Felicidade é, no final, um melodrama colorido ou um thriller trágico e psicológico?
É muito difícil responder essas perguntas porque, para isso, seria necessário invadir de alguma forma os pensamentos de Agnès Varda.
As Duas Faces da Felicidade é, de fato, um filme colorido, vibrante e quase uma continuação à Os Guarda-Chuvas do Amor (Les Parapluies de Cherbourg, 1964), dirigido por Jacques Demy (esposo de Agnès Varda até a morte dele, em 1990). Somados e comparados, ambos vão na contramão do monocromático preto e branco pregado pela Nouvelle Vague.
Entretanto, Agnès Varda, com o apoio dos diretores de fotografia (Claude Beausoleil e Jean Rabier), faz algumas escolhas com a utilização das cores para criticar a ideia do patriarcado (visto recentemente de forma menos sutil em Barbie). Em meio à tela colorida, os personagens masculinos estão sempre na sombra ou no ponto de menos luz em relação às personagens femininas.
Isso está bem representado nas sequências nos bosques, no momento em que François está no banheiro se barbeando e Thérèse no quarto realizando alguma atividade, ou na sequência de casamento de uma cliente de Thérèse na qual o fotógrafo pede para tirar uma foto e os homens estão encobertos pela sombra de uma árvore, enquanto as mulheres brilham no sol.
É possível enxergar isso como Agnès Varda dando destaque e importância às mulheres, mas o significado mais proeminente é como elas se dedicam inteiramente à família, aos afazeres da casa e aos filhos, enquanto os homens discutem preferências entre Brigitte Bardot e Jeanne Moreau, e até mantém casos extraconjugais
As Duas Faces da Felicidade critica justamente aquela parcela da sociedade que mais enche a boca para falar da “família perfeita” e dos símbolos que isso representa, mas também são os primeiros a traírem e normalizarem o erro. Agnès Varda não contemporiza a traição, apesar de mostrar os personagens discutindo abertamente até a possibilidade de um relacionamento aberto.
Tudo isso, porém, colocado na perspectiva do egoísmo do homem. Assim, é mais trágico do que surpreendente a forma como Agnès Varda conduz o terceiro ato do filme que culmina no mesmo quadro da abertura, com a família andando por um bosque (agora no outono), com figurino e luz similares. Agora, no entanto, de costas para a audiência.
O que vemos não deixa de ser a ideia de uma família perfeita ou de felicidade. Mas ao colocá-la de costas, Agnès Varda sente vergonha dela pelo golpe dolorido que François desferiu sobre a própria família. E com essa sutileza a diretora nos faz sentir o mesmo desconforto que a provocou tomar essa decisão.
Próximo Filme: A Conversação, de Francis Ford Coppola.
📦 Recomendações da Semana
O Festival de Cinema de Nova York, um dos mais vibrantes e importantes do circuito, divulgou o line-up de filmes que serão exibidos em sua 61ª edição. Só posso dizer: como eu gostaria de estar em Nova York nesse período. O longa-metragem de abertura é May December, de Todd Haynes. A programação inclui os novos trabalhos de diretores como Michael Mann (Ferrari), Ryûsuke Hamaguchi (Evil Does Not Exist), Aki Kaurismaki (Fallen Leaves), Hong Sangsoo (In Our Day e In Water), Win Wenders (Perfect Days), Kléber Mendonça Filho (Pictures of Ghosts) e tantos outros.
O site Pitchfork listou as 50 Melhores trilhas de filmes de todos os tempos. Tem Pantera Negra, O Iluminado, Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças e muitas outras.
O ator Michael Imperioli (The Sopranos) deu uma entrevista muito boa ao Guardian. Ele fala bastante sobre música, como formar a sua banda Zopa o ajudou no processo de término de The Sopranos entre 2005 e 2006, além também das bandas que ele mais têm ouvido hoje e seus grandes heróis musicais.
A BBC conversou com moradores de cinco das cidades mais bem classificadas do mundo em 2023 para descobrir o que as torna tão especiais. Tem histórias de moradores de lugares como Viena, Melbourne, Vancouver, dentre outras, que contam suas experiências e o que tornam essas moradias tão especiais, do aluguel que não é caro em uma à sensação de segurança e oportunidades de desenvolvimento profissional de outra.
Na esteira do The Town, que acontece no próximo final de semana, a Noize publicou um artigo interessante que fala dos bastidores dos grandes festivais de música, das experiências e também o negócio lucrativo que esses megaeventos se transformaram.
Se você chegou até aqui, muito obrigado pela leitura! Até semana que vem!